Por desuso, igrejas na Holanda viram cafés, museus e até bares
Com uma média de uma igreja fechada por semana, cidades da Holanda têm se reconfigurado dando novos usos aos antigos espaços litúrgicos
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Em Utretch, Holanda, igreja gótica foi transformada em cervejaria belga. Foto: divulgação/Belgian Beer Café Olivier |
É o caso da livraria Selexyz Dominicanen, na cidade de Maastricht, que funciona dentro de uma igreja dominicana do século 13. O projeto, realizado pelo escritório Merkx + Girod, mantém a arquitetura gótica ao mesmo tempo em que trouxe elementos contemporâneos para compor a livraria. Um café também funciona no local em que ficava o altar — que traz uma mesa em formato de cruz, para aprofundar o diálogo entre os dois tipos de arquitetura.
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Livraria Selexyz Dominicanen, em Maastricht, Holanda. |
Uma igreja fechada por semana
A mudança de usos pode causar estranhamento para quem entende as igrejas como espaços sagrados, mas peculiaridades da história e da cultura da Holanda ajudam a compreender essa dinâmica. Quem explica é Adriano Godoy, doutorando em antropologia social pela Unicamp e pesquisador visitante da Utrecht University, na Holanda.
“A Holanda era domínio do império espanhol e católico, e a sua independência se dá justamente pela religião, com a reforma protestante e o calvinismo que inspiram a revolta iconoclasta”, explica. “Assim, as igrejas mais antigas — as grandes catedrais — foram inicialmente construídas como católicas e, depois da independência, passaram a ser usadas pelos protestantes que as transformaram dentro das suas regras”.
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Oude Kerk, mais antiga igreja de Amsterdã, construída em 1213, atualmente funciona como museu. Foto: Alex Mark |
“Logo depois, no século 20, a Holanda começa a presenciar uma grande queda no número de pessoas religiosas. As primeiras a fechar as portas para cerimônias religiosas são justamente as do século 19″, analisa. “Elas não despertam o mesmo interesse público [das catedrais góticas] e acabam fechando por falta de verba. O número é quase inacreditável: a média em 2018 foi de uma igreja fechada por semana no país“.
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Um dos usos mais comuns atribuídos às “ex-igrejas” são museus de arte moderna e contemporênea, como na Oude Kerk. Foto: Hijme Stoffels |
E pode?
Godoy explica que o entendimento do espaço de culto varia de acordo com a religião. Enquanto os católicos veem a igreja como um espaço consagrado, os protestantes a entendem como um local de encontros. “Se entre brasileiros católicos isso soa herético e errado, justamente por essa tradição religiosa forte, é diferente para os holandeses protestantes que veem com mais naturalidade”, aponta.
No entanto, as igrejas não são vendidas sem um rito. A desconsagração é uma prática comum entre os católicos holandeses, e consiste, basicamente, em uma missa de despedida. E, apesar do número minguante de católicos, isso não acontece sem dor para a comunidade. “Os vínculos das pessoas com a igreja envolvem muitas lembranças e afetos, como se fosse uma casa na qual se morou a vida inteira. O valor comunitário para as famílias do bairro é inquestionável”, acrescenta Godoy.
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Rito de desconsagração em igreja Sint Jacobuskerk, em Utrech. Foto: Daan Beekers/Religious Matters |
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Procissão saída da Sint Jacobuskerk, em direção à Protestant Bethel Church, que vai abrigar os ritos da comunidade. Foto: Daan Beekers/Religious Matters |
“Esses novos usos refletem o nosso tempo, como é pensado o uso da cidade, e é interessante perceber como nessa dinâmica as atividades comerciais ocuparam o espaço das religiosas. A escolha de manter parte das suas características arquitetônicas gera uma nova dinâmica na cidade“."
Publicado em Gazeta do Povo/Haus
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